Dinheiro Digital: A Ordem Executiva de Trump do Séc. XXI

25 Jan


O dinheiro está a mudar. A sua transformação não é meramente técnica; é profundamente política, social e ética. A recente ordem executiva presidencial nos EUA, assinada pelo presidente Trump, que proíbe a criação e circulação de Moedas Digitais dos Bancos Centrais (CBDCs), demonstra uma forte oposição à centralização do dinheiro digital.

A descentralização digital pode recuperar o papel original do dinheiro primordial. Este permitia a expressão da pluralidade de valores envolvidos nas transações ancestrais da humanidade, praticadas em tribos e pequenos agrupamentos onde todos se conheciam. Também as novas moedas digitais descentralizadas (criptomoedas) podem ser programadas para refletirem a diversidade de interesses e necessidades das comunidades, devolvendo às pessoas a capacidade de contabilizar valor de forma multidimensional, desta vez à escala global.

Em contrapartida, quando o novo poder digital do dinheiro é centralizado, pode transformar o nosso principal sistema de incentivos económicos num instrumento de vigilância, manipulação e controlo, limitando a liberdade individual e condicionando o comportamento dos cidadãos em função de interesses hegemónicos ou autoritários, como já acontece na China com a CBDC “Yuan Digital”.

Com a tecnologia blockchain e a inteligência artificial (IA), é possível descentralizar as moedas digitais, permitindo a sua livre programação e transação, em conformidade com as necessidades e princípios das comunidades que as adotam, visando a promoção de uma sociedade mais livre e justa. Urge entender o atual momento de transição para sistemas digitais tão inovadores quanto disruptivos, sendo essencial decifrar as motivações estratégicas da ordem executiva de Trump que visa aumentar a competitividade. Para compreender a sua justificação, é muito importante analisarmos a origem e natureza do dinheiro.

Se a Europa menosprezar o papel da descentralização digital do dinheiro para fomentar a inovação neste novo tempo de tecnologia exponencial, pode ficar rápida e irremediavelmente atrasada face aos EUA.

1. Dinheiro: Uma Base de Dados.

O dinheiro surgiu muito antes da invenção da moeda, como um repositório ou registo mental de informações sobre as transações humanas. Essa memória partilhada permitia trocas com elevado nível de transparência e responsabilidade social em pequenos grupos de indivíduos. Contudo, essa transparência ética perdeu-se à medida que as sociedades cresceram, dando lugar a sistemas financeiros complexos, centralizados e opacos.

Hoje, o dinheiro que utilizamos, quer seja físico ou digital, perdeu a capacidade de registar e refletir os impactos sociais e comunitários das transações humanas. Tanto em notas, como em transferências bancárias, a atual base de dados monetária é insuficiente para uma avaliação moral das trocas realizadas por seu intermédio. Por outras palavras, o dinheiro tornou-se redutor em termos éticos, tendo vindo a cingir todo o valor por ele veiculado à estrita dimensão financeira.

A boa notícia é que a transparência inerente às redes blockchain descentralizadas (permissionless) e a adoção de sistemas de IA explicáveis (XAI) possibilitam a recuperação da memória coletiva do dinheiro primordial, outrora limitada ao âmbito tribal, expandindo-a agora à escala global graças ao poder digital.

2. Caminhos para o Futuro do Dinheiro

A – Dinheiro Digital Descentralizado: Criptomoedas

As criptomoedas baseadas em blockchain são um produto do mercado livre, mas a sua transparência e rastreabilidade tornam a ‘mão invisível’ do mercado visível e mensurável, permitindo que o dinheiro incorpore valores humanos antes ignorados pelo capitalismo. Assim, elas podem, em simultâneo, proteger a autonomia individual e as causas sociais, permitindo que as comunidades criem moedas ajustadas às suas expectativas e necessidades, promovendo práticas éticas e justas. Com esta ordem executiva presidencial, qualquer cidadão norte-americano cumpridor da lei ou organização legítima nos EUA tem o direito de criar dinheiro digital sem entraves legais.

B – Dinheiro Digital Centralizado: CBDC

As Moedas Digitais dos Bancos Centrais (CBDCs) são um produto do planeamento central. Embora apresentem um enorme potencial de eficiência — talvez até superior ao das criptomoedas — comprometem a privacidade e a liberdade, facilitando significativamente a vigilância e o controlo sobre os cidadãos. A recente ordem executiva do presidente Trump elimina tal preocupação pela raiz, posicionando-se contra as CBDCs por representarem uma ameaça à autonomia individual.

Caso a Europa prossiga com o desenvolvimento da sua CBDC (o Euro Digital está em estudo no BCE), isso terá consequências económicas. A sua não aceitação nos EUA poderá desvalorizar a moeda digital europeia no comércio global, diminuindo a atratividade do euro como reserva de valor e afastando investimentos, conduzindo a um enfraquecimento competitivo face a alternativas descentralizadas.

3. Dinheiro Ético e Competivo.

Enquanto a resistência política às CBDCs ganha terreno, as criptomoedas acarinhadas por esta ordem executiva preenchem a lacuna deixada por um sistema financeiro que dificilmente responderá às novas exigências de transparência e eficiência da era digital.

4. Vigilância e Controlo: Uma Realidade Iminente?

A implementação de Moedas Digitais dos Bancos Centrais (CBDCs) representa um aumento significativo na capacidade de os governos monitorizarem e controlarem a vida dos cidadãos. Sob o pretexto de eficiência e segurança, estas moedas podem ser utilizadas para rastrear toda e qualquer transação, condicionar comportamentos por meio de políticas monetárias programáveis ao nível granular da carteira digital de cada indivíduo, condicionando o seu acesso a recursos financeiros com base em critérios políticos ou sociais, como no sistema de créditos e de ranking social já em vigor na China.

Este potencial para uma supervisão financeira sem precedentes levanta questões éticas e de soberania individual. A centralização dos dados financeiros pode ser utilizada de forma legítima para garantir a segurança e prevenir crimes, mas também pode ser explorada de forma abusiva, facilitando desvios na aplicação do escrutínio fiscal, como a sua instrumentalização para fins políticos ou ideológicos, conduzindo a restrições arbitrárias de despesas individuais e a sanções automáticas aplicáveis à carteira digital de qualquer cidadão, comprometendo a privacidade, a liberdade e a autonomia pessoal.

5. Tempos Decisivos.

A decisão dos EUA de proibir as CBDCs domésticas e barrar as estrangeiras, demonstra que o futuro do dinheiro digital não está apenas nas mãos dos governos, mas também das empresas e da própria sociedade civil. A Europa enfrenta agora o extraordinário desafio de equilibrar a inovação tecnológica com a regulação, evitando tornar-se sinónimo de controlo e procurando significar liberdade e progresso.

A evolução monetária da era digital já está em curso. Saibamos escolher o rumo a seguir.



Dario Rodrigues

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