Uma Máscara Nunca Vem Só…
24 Aug
O mundo mudou e as máscaras não podem tapar-nos os olhos… Também precisamos de outras máscaras que defendam a liberdade.
Há boas razões para acreditar que só uma verdadeira descentralização digital impedirá a devassa da privacidade dos cidadãos no mundo virtual e o fim da democracia no mundo real. E não se pense que o caso será para menos…
Tem sido o tempo de usar “máscara de proteção individual”, preservando a nossa saúde e a dos demais. No entanto, há que refletir sobre o que as atuais máscaras significam. Pensando que todos os males são temporários, vamos dizendo a nós próprios que “tudo vai correr bem”, mas, acontece que há ideias e palavras muito perigosas neste “admirável mundo novo”…
Julgamos saber que esta pandemia é provocada por um vírus e correspondente “síndrome”. A palavra “síndrome” é utilizada por cientistas e médicos para nomear situações clínicas incompreendidas. Ela designa, apenas e só, “conjuntos de sinais e sintomas”, nada mais significando do que isto mesmo. Equivale à confissão de que não nos foi apresentada a verdadeira natureza da atual crise pandémica. Interessa, pois, observar outros pontos de vista para além do sanitário. É isto ou esperar passivamente que nos retirem as máscaras…
Como reza a história, quando as pessoas estão receosas e se sentem inseguras, predispõem-se a fazer cedências em matéria de liberdade, para alcançar a almejada segurança. É outra “síndrome”, de natureza ansiosa, que pode levar as pessoas a acatar tudo o que lhes mandem fazer e até impeli-las a embarcar em promessas populistas.
Há fortes pistas de que estamos a viver uma época muito perigosa: informação é sinónimo de poder, sendo que, possuir toda a informação sobre a vida e os hábitos de consumo dos cidadãos, garante poder absoluto. Já vai sendo recolhida muita informação sobre as pessoas (e.g. em apps e redes sociais), destinada a favorecer governos e empresas. No entanto, devido às propriedades das novas moedas digitais, os regimes poderão ir ainda mais longe, por exemplo, impedindo pagamentos realizados por indivíduos politicamente incorretos…
As moedas digitais são programáveis (nada têm a ver com o conhecido dinheiro eletrónico que movimentamos no “multibanco”), e a sua adoção pelos estados deverá coincidir com o fim do próprio dinheiro físico. Para convencer a maioria da população a aceitar tais mudanças, será prometida a erradicação de crimes como a “lavagem de dinheiro” e a “evasão fiscal”. Claro que o fim destes casos de polícia, terá, como reverso da medalha, o policiamento de todos os casos, podendo a conveniência acrescida das moedas digitais implicar a ruína da própria democracia. No entanto, isto são “contas de outro rosário”, sendo duvidoso que os futuros governos se importem com a despersonalização da pessoa humana ou se coíbam de imiscuir-se na vida de cidadãos impolutos para garantir a respetiva obediência…
Neste século, eminentemente digital, a privacidade e a propriedade privada dependem da capacidade dos indivíduos protegerem os seus dados com chaves secretas. Por esta razão, só a liberalização de “chaves-privadas” permitirá garantir a posse dos dados pessoais e a liberdade dos cidadãos.
Se nada for feito, a nível político, os serviços digitais, de que iremos depender cada vez mais (ou seremos “fortemente aconselhados” a utilizar…), serão exclusivamente prestados por intermédio de redes centralizadas. Por exemplo, o acesso a apps para a monitorização de “viroses” e “síndromes” afins, será habilitado por “passwords” criadas apenas “para inglês ver”, nunca garantindo a privacidade dos utilizadores. Convém perceber que o patrocínio de uma rede digital centralizada garante a propriedade dos dados que nela circulam… Afinal, não é por acaso que a China pretende ser a nação pioneira na adoção da “Moeda Digital”, nem o 14º Plano Quinquenal (2021-2025), do regime comunista chinês, se refere apenas a armas físicas quando anuncia “a construção de uma força de segurança capaz de responder a todos os desafios”.
Posto isto, não é fatal que o nosso futuro digital tenha de ser cinzento (ou vermelho). Na verdade, a mesma tecnologia que permite criar as novas moedas digitais, tanto pode servir para subjugar as pessoas como para as emancipar. As possibilidades abertas pela tecnologia “blockchain” são tão disruptivas que mudarão quase todos os aspetos da vida humana. Se esta tecnologia for aplicada à vista de toda a gente, em código aberto (“open source”) e de forma descentralizada, irá servir para dinamizar a vida económica e torná-la mais justa e inclusiva, sendo que, todas as transações poderão ser registadas de forma segura e efetuadas sem intermediários. Será um ambiente transparente e especialmente incómodo para políticos “troca-tintas”…
Se as opções políticas se traduzirem numa verdadeira descentralização digital, dependendo esta descentralização do direito individual à posse e utilização das referidas “chaves-privadas”, não só a maioria das transações efetuadas na sociedade acabará por dispensar intermediários, como as políticas que influenciam os destinos da população passarão a ser eleitas por cidadãos inequivocamente livres e autónomos. Em redes digitais descentralizadas, será o próprio indivíduo a proteger a sua privacidade e a controlar todas as transações efetuadas com dados que lhe digam respeito (e.g. moedas, votos, etc.).
Será que ainda alguém acredita que a democracia sobreviverá, nesta era digital, caso as decisões políticas continuem a ser tomadas por grupos restritos de pessoas exclusivamente motivadas por interesses pessoais. Mesmo sem saber a resposta a esta pergunta, tenhamos esperança de que um número suficiente de pessoas compreenda rapidamente como a democracia passou a depender da descentralização digital.
Obviamente, a garantia da propriedade privada dos dados pessoais não agrada a certos dirigentes políticos, nem interessa a multibilionários cujos prósperos modelos de negócio se baseiam no acesso privilegiado a esses mesmos dados (e.g. Microsoft, Google, Facebook). Para esta elite, as moedas digitais centralizadas serão “a cereja no topo do bolo”…
Nos tempos vindouros, a única forma de manter a liberdade das pessoas é impedir a proibição (previsível) das moedas digitais descentralizadas. Já não basta retirar o dinheiro da política. Com as novas moedas digitais, há que retirar, também, a política do dinheiro. O avanço tecnológico tornou esta dupla condição num imperativo para a defesa da própria democracia. O mercado monetário digital terá de funcionar em livre concorrência, sem monopólios estatais ou corporativos, devendo ser os próprios consumidores a decidir quais as moedas mais úteis e, portanto, mais competitivas. Todos devem poder beneficiar da iniciativa privada e do engenho humano.
As moedas digitais estatais são inevitáveis (poucos governos abdicarão de tal prerrogativa), mas, devem competir com moedas privadas programadas de forma aberta e transparente. Ora, isto só será possível liberalizando as “chaves-privadas”, para que a autonomia individual não possa ser limitada. As redes digitais devem estar sempre acessíveis a quem de direito. O respetivo acesso só deve ser reservado de forma legítima e transparente. Se é verdade que o Estado tem de ter “chaves-mestras” para reservar o direito de admissão a determinados serviços públicos, nunca deverá poder abrir e fechar “alçapões digitais” baseando-se no cruzamento de informação sobre os cidadãos…
Mesmo querendo manter a esperança na preservação da liberdade democrática, devemos reconhecer que é demasiado fácil manipular a opinião pública contra o individualismo e a descentralização digital. Por exemplo, é o que tem acontecido com a “criptomoeda” Bitcoin, a primeira moeda verdadeiramente digital, criada em código aberto, há mais de dez anos. Justificada pela desconfiança subsequente à crise financeira de 2008-2009, ela permite realizar transações seguras, sem a intervenção de intermediários, entre milhares de pessoas que utilizam as suas próprias chaves-privadas. As contas desta moeda digital batem sempre certo, mas, no entanto, ela tem sido alvo de inúmeras campanhas de desinformação e “marketing enganoso”, não sendo de excluir a respetiva proibição.
Vivemos um tempo conturbado, propício ao desenvolvimento de projetos políticos de “pensamento único”. O sucesso destes eventuais projetos depende da despersonalização e alienação individual, bem como da proibição da utilização de “chaves-privadas” por parte dos cidadãos. Tal limitação seria o complemento ideal para confinar os indivíduos também no plano digital, aproveitando o condicionamento físico e psicológico em curso. Assustadas e preocupadas com a crise, as pessoas dificilmente prestariam atenção à necessidade de protegerem a sua privacidade com “máscaras digitais”, ignorando que uma máscara nunca vem só…
Dario de Oliveira Rodrigues
(texto actualizado a 24 de Agosto de 2020)
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