DINHEIRO DIGITAL: QUEM DECIDE O FUTURO?

7 Jan

O dinheiro está a mudar. Esta transformação não é meramente técnica; é profundamente política, social e ética.

Ficará o dinheiro digital nas mãos de poderes centralizados ou defenderemos a privacidade e a liberdade? Com a tecnologia blockchain e a Inteligência Artificial (IA), podemos programar incentivos económicos com princípios éticos, promovendo uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável. Mas para isso, urge compreender a natureza do dinheiro, o que é recomendável no momento histórico de viragem para um sistema digital que nos surpreenderá.

1. Dinheiro: Uma Base de Dados

O dinheiro começou muito antes da invenção da moeda, como um repositório de informação mental sobre transações guardado na memória coletiva de tribos e pequenas comunidades humanas. Essa memória partilhada permitia trocas com elevado nível de transparência e responsabilidade social. Contudo, essa transparência foi perdida com o crescimento das sociedades, dando lugar a sistemas financeiros complexos, centralizados e opacos.

Hoje, o dinheiro que utilizamos, seja físico ou digital, perdeu a capacidade de registar os impactos sociais e comunitários das transações. Seja com notas ou transferências bancárias, a atual base de dados do dinheiro é insuficiente para avaliar a dimensão ética das transações.

A boa nova é que a tecnologia blockchain e a IA possibilitam recuperar a memória coletiva do dinheiro primordial, expandindo-a de forma segura e transparente para uma escala global (hyperledger).

2. Caminhos para o Futuro do Dinheiro

A – Dinheiro Descentralizado: Criptomoedas

As criptomoedas, baseadas em blockchain e outras tecnologias de registo descentralizado, defendem a autonomia individual e permitem às comunidades criar as suas próprias moedas, ajustadas às suas necessidades, promovendo práticas éticas e combatendo desigualdades.

B – Dinheiro Centralizado: CBDC

As Moedas Digitais de Bancos Centrais (CBDCs) são muito eficientes (e por isso incontornáveis), mas comprometem a privacidade e a liberdade, permitindo a vigilância e o controlo abusivo dos cidadãos, como acontece na China com o Yuan Digital.

3. Especulação (mais do mesmo)

Apesar de ser possível recriar um dinheiro ético, a esmagadora maioria das pessoas ainda não o sabe. Enquanto isso, nativos digitais que cedo compreenderam a tecnologia, têm utilizado as criptomoedas principalmente para especular. Habituados à lógica alienante do sistema de incentivos económicos unidimensional com o qual cresceram, viram na tecnologia blockchain mais do mesmo—ou seja, uma oportunidade de lucro imediato—canalizando a fiabilidade das suas transações para trivialidades que pudessem proporcionar rápida rentabilidade, como gatinhos, cãezinhos, personagens de séries televisivas, memes ou eventos virais.

Estes projetos de “meme coins”, cujo único objetivo é inflacionar rapidamente o valor das criptomoedas, atraindo curiosidade momentânea e expectativa de lucro rápido através de modismos efémeros, frivolidades humorísticas e outras situações populares na internet, reforçam uma cultura superficial e desviam as criptomoedas do seu potencial transformador. Infelizmente, isto acontece num momento crítico para a humanidade, em que precisamos de um sistema de incentivos económicos ético para enfrentar desafios existenciais como a crise climática e o risco da guerra se tornar nuclear e passar a desenrolar-se com armas demasiado inteligentes…

4. Dinheiro Ético

A primeira moeda verdadeiramente digital (programável) foi a criptomoeda Bitcoin, programada com o principal objetivo de servir como reserva de valor, uma vez que o dinheiro atual revelava sua incapacidade na matéria (crise financeira de 2008-2009). Entretanto, depois da especulação inicial, começam finalmente a surgir criptomoedas e sistemas monetários programados com propósitos interessantes do ponto de vista ético, nomeadamente ajustando o dinheiro à sociedade e ao valor humano.

No setor agrícola, por exemplo, tokens digitais e criptomoedas recompensam práticas ecológicas e asseguram a origem e rastreabilidade dos produtos, promovendo a sustentabilidade. Por outro lado, moedas digitais locais dão os primeiros passos para revitalizar o comércio de proximidade, certificando produtos regionais e fortalecendo economias comunitárias. De forma geral, “contratos inteligentes” começam a alocar recursos diretamente para fins positivos, como a educação ou a energia renovável, promovendo uma economia mais justa, sustentável e inclusiva.

Infelizmente, estas iniciativas não têm recebido qualquer destaque na agenda mediática. Talvez também sejam necessárias criptomoedas para incentivar a responsabilidade na promoção de conteúdos noticiosos que favoreçam o bem comum, recompensando jornalistas e plataformas por criarem e divulgarem matérias de interesse público, como reportagens sobre tais iniciativas sociais inovadoras. Um sistema blockchain pode registar com transparência e segurança o feedback do público, ponderando e atribuindo tokens a conteúdos considerados informativos e relevantes. Afinal, as plataformas de “fact checking” merecem ou não receber criptomoedas sempre que desmentem informações falsas ou sensacionalistas visando combater a desinformação? Não duvidemos que um dinheiro ético transformará também a comunicação social num setor mais alinhado com os valores da sociedade.

5. Tempos Decisivos

Estamos numa fase crucial para a humanidade: o dinheiro digital será uma ferramenta de controlo opressivo ou de transformação libertadora? Vamos, ou não, exigir transparência nas CBDCs e apoiar as iniciativas de criação de criptomoedas descentralizadas? Com blockchain e IA, a sociedade civil terá os meios para criar, ela própria, sistemas monetários que promovam privacidade, igualdade e sustentabilidade. Claro que o governo também pode e deve fazê-lo, sendo inevitável a substituição do atual dinheiro amoral por dinheiro digital. No entanto, como este novo dinheiro é discricionariamente programável, ele poderá vir a ser programado de forma moral ou imoral. Oxalá a necessária verificação da bondade das moedas digitais possa ser democrática e efetuada livremente no mercado, para que possamos criar um sistema de incentivos económicos ético, centrado nas pessoas e não nos interesses corporativos ou desígnios da nomenclatura política, que tantas vezes instrumentaliza o dinheiro para manter privilégios e reforçar estruturas de poder. Somente com transparência e participação ativa da sociedade civil será possível garantir que este novo sistema monetário seja verdadeiramente inclusivo, justo e alinhado com os valores humanos.

O futuro do dinheiro está nas nossas mãos. Mas quem irá decidi-lo?

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