INTELIGÊNCIA PARA REINVENTAR A CONFIANÇA

17 Dec

1. Da confiança ancestral à situação atual

Nos primeiros capítulos da civilização humana, a confiança não tinha quase nada que saber ou duvidar. Residia nos pequenos círculos de parentesco e relações muito próximas em famílias, clãs e tribos. Nestas unidas comunidades ancestrais, confiar era tão natural como respirar. A confiança era construída com interações cara a cara, experiências partilhadas e dependências mútuas. A palavra de alguém vinculava o próprio, e quebrá-la poderia significar ostracismo social ou pior. Era uma forma de confiança pessoal, direta e paulatinamente entrelaçada com o ritmo da vida quotidiana.

No entanto, à medida que as sociedades cresciam, também a complexidade da confiança aumentava. O advento da agricultura e o consequente estilo de vida sedentário levaram a comunidades maiores e ao advento do estado-nação. Com tal expansão, surgiu a necessidade de intermediários—notários, bancos e sistemas legais—para mediar e formalizar a confiança entre estranhos. A intimidade da confiança de parentesco evoluiu para uma forma mais impessoal e institucionalizada. Embora estes intermediários facilitassem interações mais amplas e estruturas sociais e trocas mais complexas, também foram introduzindo camadas de burocracia, e um crescente sentimento de alienação. Para além do mais, quando um intermediário ou agente age em nome de outrem, há despesas extra, ineficiências e até conflitos de interesse que provocam uma redução na eficiência e confiabilidade geral das transações.

Esta mudança marcou uma transformação significativa na forma como a confiança era gerida e distribuída, e se os nossos antepassados nos visitassem ficariam tão maravilhados com a tecnologia como horrorizados com praticamente tudo o resto. Ora, é precisamente a tecnologia que nos pode e deve catapultar para a próxima evolução na história da confiança.

2. Regresso ao futuro tecnológico da antiga confiança

Entramos no século XXI com uma evolução tecnológica acelerada e deslumbrante, mas que urge compreender politicamente: o surgimento da tecnologia blockchain e da inteligência artificial (IA) representam a oportunidade imperdível de recuperar a confiança ancestral à escala global. Perante novidades como o Bitcoin e o ChatGPT, até no século XXI ficamos tão maravilhados como perplexos ou mesmo assustados (os mais jovens, menos), mas a verdade é que o novo paradigma da ‘confiança distribuída reforçada pela IA’, permite reinventar com tecnologia de ponta um princípio de confiança direta entre as pessoas quase perdido nas brumas do tempo.

No seu núcleo, as redes blockchain são sistemas de registos distribuídos que gravam transações praticamente impossíveis de falsificar ou sequer alterar. Esta tecnologia oferece a prova dos nove sobre a palavra dada numa transação ou contrato (tornando-o “inteligente”). Assemelha-se a um notário digital, tão incorruptível como a matemática, transparente e suscetível de operar sem recurso a uma autoridade central. Quando combinada com as capacidades preditivas e a precisão analítica da IA, esta tecnologia ressuscita a confiança de outrora e permite distribuí-la de forma justa e equitativa na moderna ‘aldeia global’. Ora, perante a desconfiança que grassa na sociedade, fazer tábua rasa desta nova realidade equivale a deixar a humanidade morrer na praia.

3. O poder da confiança distribuída

Sendo potenciada pela IA, esta nova confiança distribuída tem implicações profundas para as finanças, o comércio e as relações interpessoais (por esta ordem). Nas finanças, introduz moedas e outros ativos digitais que passam a poder ser tão descentralizados quanto se queira. No comércio, diminui os custos de transação, reduzindo como nunca a incerteza e o risco; cada transação, cada promessa de troca de bens e serviços pode agora ser registada, verificada e tornada à priori confiável. Esta transparência promove um nível de segurança e fiabilidade que os sistemas tradicionais têm muita dificuldade em igualar. Isto é decisivo para os negócios e para o relacionamento humano, porque ambos têm aversão à incerteza.

É por isso que esta confiança reinventada tem o potencial de harmonizar o mundo turbulento em que vivemos. Numa época em que as divisões são profundas e o ceticismo abunda, a capacidade de estabelecer confiança à escala global não é apenas uma conquista tecnológica; é uma ponte para a compreensão e amizade entre os povos. Ao garantir a transparência das transações, não estamos apenas a facilitar os negócios, estamos também a impedir a corrupção, a defender a justiça e a construir um tipo de confiança imprescindível à criação de verdadeiros ecossistemas comunitários.

Imagine um mundo onde empreendedores de diferentes cantos do planeta, independentemente da sua dimensão, podem fazer negócios com a mesma confiança do que se estivessem outrora a negociar na sua pequena aldeia. Imagine um mundo onde a transparência das transações aumente a responsabilidade corporativa e a ética governativa. Se existir vontade política suficiente para descentralizar as redes blockchains e outras tecnologias de registo distribuído, a IA irá ajudar a sociedade civil a recuperar um mundo mais humano.

Conclusão: Um futuro baseado na partilha da confiança

Nesta encruzilhada de uma nova era digital em que a sociedade da informação está a dar lugar à sociedade do conhecimento, o papel da confiança distribuída reforçada pela IA é decisivo. Ao misturar o antigo com o moderno, não estamos apenas a avançar tecnologicamente, mas a recuperar a essência da conexão humana. Neste novo mundo, o desenvolvimento tecnológico deve ser paralelo ao sentido de responsabilidade e à visão de um planeta melhor e mais sustentável, lembrando sempre que a nossa humanidade partilhada está no coração de toda a confiança.


Dário de Oliveira Rodrigues

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