MOEDA VIRAL FEITA A “FOICE E MARTELO”

21 Apr


Andamos preocupados com problemas globais nunca vistos, tanto de natureza sanitária como económica, mas não se pense que seremos apanhados distraídos. Muito pelo contrário. Assim, importa reparar, desde logo, nos contornos da anunciada moeda digital chinesa. Numa primeira fase, ela estará disponível em quatro cidades chinesas, Shenzhen, Suzhou, Chengdu e Xiong’an (uma cidade satélite de Beijing). Na sequência deste teste, esta moeda digital deverá ser adoptada em toda a China e quiçá difundida a nível planetário. Será então que poderá tornar-se no instrumento de eleição da próxima ameaça global.

Observar esta moeda digital e certos factores que a rodeiam, pode ajudar-nos a prever uma eventual propagação, a partir da China, de fenómenos de massas jamais vistos no Ocidente. Apesar de não serem eventos de natureza biológica, mas sim político-sociais, tais fenómenos também podem alastrar pelo mundo de forma viral.

Primeiramente, proponho que entendamos, num único parágrafo, como funciona da nova moeda que a China pretende trazer ao mundo. Passarei a designá-la por “yuan digital” (nome recorrente na imprensa internacional). O “motor” desta moeda baseia-se na criptografia e na tecnologia blockchain. Trata-se de uma inovação tecnológica que permite registar e distribuir, por uma rede de computadores, cópias 100% fidedignas de um “livro-razão” praticamente impossível de falsificar. Graças a esta tecnologia, é possível registar neste “livro-razão” (base de dados) uma sequência de “blocos” inteiramente seguros (imutáveis e invioláveis), que contêm todas transações que vão sendo efetuadas pelos utilizadores da rede. A confiança na segurança e disponibilidade deste surpreendente sistema contábil, advém do respetivo rigor matemático e do nível de redundância obtido. Na verdade, sempre que é registado um novo “bloco” de transações no referido “livro-razão”, todas as suas cópias, que se encontram distribuídas na rede, são imediata e automaticamente atualizadas.

Esta inovação tecnológica veio dotar a humanidade de um novo tipo de confiança, designado por “confiança distribuída”. Até aqui, havia apenas 3 tipos de confiança disponíveis: (i) confiança na família e no círculo de amigos mais próximos; (ii) confiança no estado; (iii) confiança nos intermediários (e.g. bancos). Acontece que existe agora um 4º tipo de confiança: a “confiança distribuída”. Beneficiando de um hipercompetitivo efeito de rede, a “confiança distribuída” (não confundir com “descentralizada”), abre a possibilidade de transacionar valor na Internet. Apenas isto, por si só, modificará muito o mundo, sendo que a nova “Internet do Valor” tem um potencial transformador ainda maior do que o da anterior “Internet da Informação”. Não há qualquer dúvida a este respeito. Quanto a saber se isto beneficiará ou não as pessoas, trata-se de uma questão cuja resposta irá ser dada em termos políticos.

Feita esta introdução, observemos, a nova moeda “yuan digital”, recorrendo ao conhecido “bitcoin” como termo de comparação. Apesar de serem duas moedas substancialmente diferentes (há quem considere que o “bitcoin” não é uma verdadeira moeda, mas esta é uma questão para analisar em detalhe noutra ocasião), ambas funcionam exclusivamente graças à tecnologia “blockchain”. Aliás, para que uma dada moeda seja contabilizada e transacionada numa rede eletrónica “peer-to-peer” (entre pares), sem a intermediação de entidades centralizadas, terá, forçosamente, de se recorrer ao novo tipo de “confiança distribuída” (como veremos, este processo poderá ser ou não descentralizado). Os primeiros exemplos de redes baseadas nesta “confiança distribuída”, resultaram de iniciativas privadas relativamente discretas, sobretudo no seu início (criptomoedas, tais como, Litecoin, Ether e o próprio Bitcoin). No entanto, começam agora a surgir iniciativas mais sonantes e com maiores possibilidades de crescimento, pois correspondem a moedas apadrinhadas por grandes multinacionais e poderosos governos estrangeiros. É o caso da criptomoeda LIBRA, associada ao Facebook, e o caso da anunciada moeda digital chinesa (que será transacionada na rede social WeChat, como tudo leva a crer). Quanto ao BITCOIN, é uma moeda digital que continua a ser transacionada na primeira rede “blockchain” da história, a qual funciona na perfeição desde 31 de Outubro de 2008.

Considerando a rede social WeChat, percebemos estar perante uma plataforma cuja utilização se transformou num autêntico estilo de vida para os chineses. Tentemos compreender como tal foi possível. Apesar do habitual secretismo que vigora na China, há várias notícias de que a tecnologia “blockchain” tem sido testada nesta rede social. Ora, sabendo-se que esta tecnologia permite contabilizar e executar transações “peer-to-peer” (P2P), diretamente entre os cidadãos, relativas a quaisquer unidades representativas de valor (“tokens”), não é difícil compreender que tal rede “blockchain” possa servir para contabilizar “tokens” que quantifiquem e representem unidades de “valor social”, permitindo, assim, converter inúmeras transações do quotidiano em experiências pessoais. Claro que os critérios seguidos para creditar e debitar tal “valor social”, aumentando ou diminuindo o capital social ostentado por cada indivíduo na rede WeChat, irão sendo estabelecidos pelo governo Chinês. Entretanto, como se isto não bastasse, a rede WeChat passará, pelos vistos, a permitir transacionar entre pares (P2P) a anunciada moeda digital chinesa.

O “Yuan Digital” é bastante diferente do Bitcoin e passo a explicar as principais diferenças: enquanto o Bitcoin funciona num tipo de rede “blockchain” que dispensa quaisquer permissões de acesso (“Permissionless Blockchains”), o “Yuan Digital” irá ser transaccionado numa rede “blockchain” centralizada que exige permissões de acesso (“Permissioned Blockchains”). Esta diferença faz toda a diferença! No caso do Bitcoin, a rede “blockchain” é descentralizada, há privacidade e não existe uma entidade central que possa desligar a rede, ou sequer alterar os seus protocolos, ou editar o “livro-razão” acima referido para modificar discricionariamente os respetivos registos. Neste tipo de redes, “permissionless”, qualquer eventual alteração ao protocolo de governança de uma rede “blockchain” exige o consenso da maioria dos respetivos membros. Pelo contrário, no caso do “Yuan Digital”, os requisitos de privacidade são estipulados a um nível central. É neste nível central que são armazenados todos os dados e é definida a governança da própria rede “blockchain”. Existem várias dinâmicas para determinar como as decisões são tomadas a nível central, mas, neste caso, não há necessidade de ser estabelecido consenso entre a maioria dos membros da rede para que sejam introduzidas mudanças ou alterações no protocolo da rede “blockchain”. Neste tipo de redes, “permissioned”, quem define “as regras do jogo” é apenas e sempre o poder central.

É possível que venha a registar-se uma aceitação generalizada do novo “Yuan Digital” a nível global. Isto porque as moedas digitais são mais competitivas do que as tradicionais, pois permitem efetuar transações mais convenientes e a um menor custo. Assim, há razões para nos preocuparmos face ao volume de aquisições chinesas a nível global, com óbvio e natural destaque para o panorama nacional. Na verdade, estas aquisições podem funcionar como um “Cavalo de Tróia”, abrindo caminho para a paulatina instituição, no Ocidente, de um estilo de vida muito diferente daquele a que estamos habituados (o estilo de vida “WeChat”, acima referido), que já vinha sendo ensaiado há muitos anos na China e cuja implementação fica, agora, extremamente facilitada graças aos novos recursos digitais. Como é que tal cenário poderá vir a tornar-se realidade? Basta que os futuros clientes das referidas empresas, sejam convidados a instalar uma aplicação, socialmente apelativa, que possa funcionar como carteira digital (“digital wallet”) e facilite o câmbio automático de euros para “yuan digitais”. Como incentivo à população, para garantir que tal aconteça, poderão, por exemplo, ser oferecidos, pelo crescente número de empresas adquiridas com capitais chineses, certos descontos no preço de serviços prestados (e.g. eletricidade).  Este tipo de incentivos já vem sendo oferecido à população chinesa há muitos anos (mesmo sem o recurso a computadores), visando premiar ou penalizar certos comportamentos, de acordo com os interesses do regime.

Devemos reter que o novo dinheiro digital é literalmente programável, pelo que, não pode excluir-se a hipótese das respetivas condições de utilização, por parte dos cidadãos, variarem em função do respetivo comportamento. Por exemplo, o uso desta moeda digital poderá ser condicionado pelo “valor social” atribuído a cada cidadão. Convém perceber que o mundo digital é muito mais “elástico” do que o mundo físico, pelo que será muito fácil aplicar minuciosamente os critérios de “valor social” eventualmente estabelecidos pelo regime político chinês. Assim, os consumidores de serviços prestados por empresas chinesas (ou de outros países onde pontifiquem regimes totalitários), estarão sujeitos a serem classificados e posicionados num determinado “ranking” social, possivelmente em prejuízo da sua liberdade. Afinal, ainda muito antes de virem a público notícias sobre esta moeda digital chinesa, era já notório o controlo exercido sobre o povo chinês. No entanto, esta realidade pode ainda piorar, sendo que os novos recursos digitais aumentam a “virulência” do controlo sobre a vida dos cidadãos, facilitando, porventura, a propagação deste sistema opressivo a nível mundial. Portanto, mesmo ultrapassada a presente pandemia, o mundo livre não poderá baixar a guarda face a esta nova ameaça global.

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